A Comunicação não-violenta e o Espiritismo

No MOVE temos a constante preocupação de oferecer nossos conteúdos de maneira acolhedora e informativa, pois consideramos que todos os seres são o nosso próximo, sendo incompatível, portanto, pedir respeito aos animais e ecossistemas desrespeitando as pessoas.

Igualmente, não compactuamos e estimulamos qualquer manifestação agressiva de nossos seguidores, nem compartilhamos conteúdos que fujam a este valor que consideramos imprescindível para o diálogo!

Mas você sabe o que é Comunicação Não-violenta? Será que ela tem alguma relação com o Espiritismo? Te convidamos então a conhecer esta temática por meio do texto de um dos nossos fundadores, o querido Rafael van Erven Ludolf.

Aproveitem!…

Quando criança, na década de 1940, Marshall Rosenberg levou uma surra de outros colegas da escola, apenas pelo fato de ser de família judia. O menino vivenciava conflitos sangrentos baseados em racismo e preconceito religioso, em Detroit, onde morava, ao mesmo tempo que convivia com familiares generosos, muito dedicados à comunidade.

Marshall acreditava ser inerente à natureza humana gostar de dar e receber de forma compassiva, e aqueles episódios marcantes da sua infância o levaram a se preocupar com duas importantes questões: o que acontece que nos desliga de nossa natureza compassiva? O que nos permite permanecer sintonizados com ela mesmo nas piores circunstâncias?

Graduou-se, então, em psicologia, tendo se interessado pela psicologia humanista de Carl Rogers. Dedicou-se inicialmente à área de psicologia clínica, mas não se satisfez com os métodos tradicionais. Estudou religiões comparadas, a pedagogia de Paulo Freire, as ideias de Mahatma Gandhi e veio a descobrir que a linguagem e as palavras têm um papel crucial na conexão ou desconexão do ser com a sua natureza compassiva.

Percebeu, portanto, que o que gerava a violência era um certo modo de pensar, de se comunicar, baseadas em estruturas de dominação que definem quem é superior e inferior, normal e anormal, numa linguagem centrada no julgamento, na culpa, na exigência, na ameaça e no medo, tudo para a submissão e obediência forçadas, resultando em exclusões.

Marshall chegou ainda a identificar o que denominou de comunicação alienante, que significa aquela que está sempre em busca de culpados, se eximindo das suas próprias responsabilidades. Diz ele que

“o que os outros dizem e fazem pode ser o estímulo, mas nunca a causa de nossos sentimentos” [1].

Entendia, por exemplo, que:

  • “classificar e julgar as pessoas estimula a violência”, que “comparações são uma forma de julgamento”,
  • “ficamos perigosos quando não temos consciência de nossa responsabilidade por nossos comportamentos, pensamentos e sentimentos”,
  • “a empatia ocorre somente quando conseguimos nos livrar de todas as ideias preconcebidas e julgamentos” [2].

Oportuno ressaltar que para descrever esse tipo de comunicação que bloqueia a compaixão, Marshall se baseia na máxima “não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o juízo com que julgardes sereis julgados” [3]. Lição que faz parte da pauta do cristão e que aponta diretamente para uma comunicação empática. Obviamente que a lição de Jesus não se trata de silenciar, mas de saber falar e ser ouvido.

Dessa forma, Marshall identificou uma abordagem específica da comunicação, capaz de saber falar e ouvir, que leva os seres a se entregarem de coração e a se conectarem a si mesmos e aos outros de maneira tal que permite que a compaixão natural floresça, que o diálogo para a paz e a cultura do encontro aconteça.

Tal abordagem para Marshall se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de estarmos equilibrados, mesmo em condições adversas. Ensina a perceber cuidadosamente os comportamentos e as necessidades não atendidas que estão nos afetando e que nos levam a agir de maneira violenta, contribuindo para reformularmos a maneira pela qual falamos e ouvimos os outros, além de ajudar a nos expressarmos com honestidade e clareza, sem exigências e julgamentos.

Observa Marshall que as duas partes da cnv são:

“Expressar-se com honestidade. Receber com empatia” [4].

Como cristão-espírita, percebo que a síntese dessa técnica de Marshall alinha-se com outro ensinamento de Jesus, quando disse: “seja, porém, a vossa palavra sim, sim; não, não; o que excede disso é do mal” [5].

Ensina Marshall que a cnv na prática dispõe de quatro componentes: 1. Observação; 2. Sentimento; 3. Necessidades; 4. Pedido.

Para clarificar, o próprio Marshall oferece um exemplo familiar onde se pode identificar estes quatro passos. Se trata de um caso comum entre um adolescente e sua mãe. Ela encontra a casa bagunçada e poderia fazer um escândalo, mas, decide agir diferente, de maneira não-violenta. Vejamos:

“Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha e mais três perto da tv, fico irritada, porque preciso de mais ordem no espaço que usamos em comum. Você poderia colocar suas meias no seu quarto ou na lavadora?” [6].

Perceba que a mãe primeiro observou sem julgar, apenas descreveu a cena. Após, ela identificou os seus próprios sentimentos, dizendo que estava irritada e em seguida declarou sua necessidade não atendida, que era a falta de espaço pela desordem gerada pelo filho. Então, fez o seu pedido de maneira clara e honesta, sem exigência.

Vejamos o passo a passo:

  • O passo 1 ensina a observar sem fazer nenhum julgamento ou avaliação, mas simplesmente dizer o que nos agrada ou não naquilo que as pessoas estão fazendo. Isso ajuda a ver com clareza o fato em si mesmo ao invés das nossas próprias projeções.
  • O passo 2 ensina a identificar como nos sentimos ao observar aquela ocasião, se estamos magoados, assustados, alegres… Perceber claramente nossos estados emocionais e assumir a responsabilidade por eles.
  • O passo 3 ensina a reconhecer a necessidade própria e do outro que estão escondidas atrás de cada sentimento, fala, atitude, para construir uma comunicação empática. Assim, quando as necessidades são identificadas, e cada pessoa se responsabiliza pelos seus sentimentos, consegue-se estabelecer uma conexão com si próprio e com os outros.
  • O passo 4 ensina a fazer pedidos honestos ao invés de exigências. Quando conseguimos expressar aquilo que observamos, sentimos e necessitamos, podemos então fazer um pedido de forma clara e objetiva.

É por meio destes fundamentos da cnv, aliado as tantas mensagens dos bons espíritos e na ciência, que o MOVE pede respeitosamente às pessoas que incluam no esforço de vivenciar a lei de Deus não somente o bem dos seres humanos, mas também dos não-humanos, em suma, de toda a Natureza, no que chamamos de Ética Animal Espírita.

Assim, Marshall Rosenberg estruturou o que chamou de comunicação não-violenta e fundou o Centro de Comunicação Não-Violenta, para divulgação ao redor do mundo, proporcionando o desenvolvimento de habilidades construtivas do diálogo para a paz. Seu principal livro no Brasil é o “Comunicação Não-Violenta” da editora Ágora.

A cnv tem se mostrado uma poderosa ferramenta de construção de diálogo e resolução de conflitos ao redor do mundo, sendo utilizada no judiciário, nas escolas, empresas e etc. Acima de tudo, penso que o seu maior benefício é a mudança interna, aquela de dentro pra fora, que faz desabrochar a capacidade de perceber o outro, despindo-se dos pré-conceitos e exigências, possibilitando um relacionamento mais verdadeiro e amoroso.

É a realização concreta das palavras de Jesus, quando disse: “Pois da abundância do coração fala a boca” [7]. Que possamos nestes tempos desafiadores ao diálogo, ante o recrudescimento dos discursos de ódio e demonizações do outro, num mundo cada vez mais conectado, assumir a responsabilidade de vivenciar uma comunicação empática.

Talvez venhamos a descobrir que o outro não é tanto aquilo que nos disseram ou aparenta ser.

Desarmemo-nos e trabalhemos para a construção e sustento da Paz, informando, pedindo, comunicando, sem exigências e condenações.

Mas e o Espiritismo, o que tem a ver com a cnv?

O Espiritismo aprofunda o campo de afetação da comunicação e consequentemente a responsabilidade do ser com os pensamentos e as palavras, uma vez que se ocupa das relações do mundo espiritual com o mundo material, e entende que a linguagem é muito mais do que palavras meramente articuladas recepcionadas pelos sentidos físicos de outrem, vai além. Interage com os dois planos de existência (corporal e espiritual) e repercute também no campo sutil, sendo ainda capaz de atrair outros espíritos que sintonizam com aquele tipo de pensamento, potencializando seus efeitos.

Para o Espiritismo, vivemos em regime de comunhão, segundo os princípios da afinidade. Portanto, a comunicação, recurso divino, se estruturada em inferiorizações, ameaças e todo tipo de violência, se associará mentalmente a outras consciências que vibram no mesmo diapasão e que buscam prejudicar as relações.

Por isso que desde a sua fundação com Allan Kardec, no século XIX, tanto o Codificador quanto os espíritos comunicantes fizeram questão de frisar a importância do diálogo e da cordialidade, chegando a exortar que “[Jesus] condena, por conseguinte, a violência, a cólera e até toda expressão descortês de que alguém possa usar para com seus semelhantes” [8].

Após a Codificação de Allan Kardec, outro Francisco, o querido Chico Xavier, por meio da sua própria maneira amorosa de se comunicar e pelas tantas obras psicografadas, também ressaltou a importância de uma comunicação fraternal. O espírito Emmanuel, por exemplo, frisou que as “palavras são agentes na construção de todos os edifícios da vida. Lancemo-las, na direção dos outros, com equilíbrio e tolerância com que desejamos venham elas até nós” [9].

Outro espírito, André Luiz, igualmente registrou em diversas obras a responsabilidade de cada ser com a comunicação, chegando a lamentar o mau uso que se tem feito das palavras. Vejamos: “É lamentável se dê tão escassa atenção, na Crosta da Terra, ao poder do verbo, atualmente tão desmoralizado entre os homens. Nas mais respeitáveis instituições do mundo carnal, […] metade do tempo é despendida inutilmente, através de conversações ociosas e inoportunas. O verbo cria imagens vivas, […] produzindo consequências boas ou más, segundo a sua origem. Essas formas naturalmente vivem e proliferam e, considerando-se a inferioridade dos desejos […], semelhantes criações temporárias não se destinam senão a serviços destruidores, através de atritos formidáveis, se bem que invisíveis” [10].

Portanto, o Espiritismo, nos alerta sobre o valor da comunicação para a promoção de uma cultura de Paz e o cuidado para que não sejamos instrumentos de violências.

Que possamos aprender a dialogar, ouvir e falar com empatia, atendendo as propostas da cnv e do Espiritismo.

Nós do MOVE pedimos antecipadamente desculpas se nesta ou naquela ocasião fugimos destes valores que estamos nos esforçando para vivenciar. Sabemos que a temática da exploração animal é sensível, que questiona padrões arraigados e, portanto, desafia o diálogo. Ademais, não é fácil comunicar equilibradamente tamanha dor e sofrimento causado aos animais. Pior ainda vivê-las.

Que consigamos cumprir o nosso papel, dando voz aos animais e ecossistemas, sem ofender a quem quer seja e conseguindo ser ouvidos!

Criemos pontes onde erguemos muros.

Sigamos pelos animais, pelas pessoas e toda a Natureza!

Referências:

[1] ROSENBERG, M. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: ÁGORA, 2006. p. 95.

[2] ROSENBERG, M. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: ÁGORA, 2006.

[3] Mateus 7: 3-5

[4] ROSENBERG, M. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: ÁGORA, 2006. p. 133.

[5] Mateus 5:37

[6] ROSENBERG, M. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: ÁGORA, 2006. p. 25.

[7] Mateus 12:34

[8] KARDEC, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. Capítulo IX “Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos”, item 4 injúrias e violências.

[9] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). Livro da Esperança. 15 ed. Uberaba: CEC, 1998. Capítulo 24 “Verbo Nosso”.

[10] XAVIER, F. C.; ANDRÉ LUIZ (Espírito). Obreiros da Vida Eterna. 45 ed. Brasília: FEB, 2013. Capítulo 2 “No Santuário da Bênção”.

0 respostas

Deixe uma resposta

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *