Artigo #06: “A carne alimenta a carne”

Por Breno Arantes, membro do MOVE.

Livro dos Espíritos – Questão 723. A alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza? “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização.” [1]

Quem de nós já argumentou ou ouviu de alguém a resposta acima em debates sobre o vegetarianismo/veganismo no movimento espírita? E quem também, no mesmo debate, não argumentou ou ouviu a resposta abaixo do espírito Emmanuel?

O Consolador – Questão 129. É um erro alimentar-se o homem com a carne dos irracionais? “A ingestão das vísceras dos animais é um erro de enormes consequências, do qual derivam numerosos vícios da nutrição humana. É de lastimar semelhante situação, mesmo porque, se o estado de materialidade da criatura exige a cooperação de determinadas vitaminas, esses valores nutritivos podem ser encontrados nos produtos de origem vegetal, sem a necessidade absoluta dos matadouros e frigoríficos […].” [2]

Fato é que existe um conflito no movimento espírita relacionado a estas duas questões, ambas de obras basilares da primeira e segunda horas da Doutrina Espírita.

De um lado, a questão 129 é utilizada a favor do não consumo de animais, onde espíritas advogam por uma mudança de hábitos alimentares e de consumo nos espaços espíritas. Do outro, com base na questão 723, espíritas sustentam que não há problemas em consumir animais e que, se há, isso é problema secundário, para preocupação futura.

Dessa forma, numa singela tentativa de oferecer uma solução ao citado conflito – que a nosso ver é entre nós encarnados e não entre os desencarnados que responderam as questões – que escrevemos estas poucas linhas reflexivas, sem a intenção de esgotar o assunto.

Cremos que a solução é simples e contribui para superar o dogmatismo que geralmente está por detrás do uso da questão 723, fruto de um passado ainda vivo em nós, quando o questionamento e o ousar pensar diferente era punível com castigos diversos: excomunhão, fogueira, desterro, torturas, etc.

Se a era é contemporânea, ainda habita em nós um passado medieval, que precisa ser ressignificado.

Parte da solução é antiga, já estava lá contemporânea à questão 723. Vejamos o que disse Allan Kardec no livro “A Gênese”:

“Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.” [3].

No Espiritismo não há verdades absolutas, dogmas que devemos seguir cegamente e sem questionar. Portanto, a orientação de Kardec nos obriga a verificar o que diz a ciência contemporânea sobre as questões em conflito. E nesse particular somos levados a constatar que a criação intensiva de animais para consumo humano tem resultado em gravíssimos impactos ambientais [4], com seríssimas consequências éticas [5].

Eis então que se faz oportuno e necessário questionar a questão 723, nestes termos:

  1. Podemos hoje manter nossas forças e saúde, para cumprir a lei do trabalho” sem consumir os nossos irmãos animais? Ou já ousando ir além, sem qualquer alimento resultante de sua exploração?
  2. A afirmação de que “a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece” é válida tendo por base o conhecimento científico atual?

Vejamos, resumidamente, alguns pareceres científicos de respeitadas organizações da saúde e nutrição ao redor do mundo:

Academia Americana de Nutrição e Dietética (maior corpo de profissionais da nutrição do mundo com mais de 100.000 membros): “É a posição da Academia de Nutrição e Dietética que dietas vegetarianas adequadamente planejadas, incluindo veganas, são saudáveis, nutricionalmente adequadas e podem fornecer benefícios à saúde na prevenção e tratamento de certas doenças. Essas dietas são apropriadas para todas as etapas do ciclo de vida, incluindo gravidez, lactação, infância, adolescência, idade adulta e para atletas.” [6]

Serviço Nacional de Saúde Britânico: “com um bom planejamento e uma compreensão do que constitui uma dieta vegana saudável e equilibrada, você pode obter todos os nutrientes que seu corpo precisa.” [7]

Associação de Nutricionistas da Austrália: “As dietas veganas são um tipo de dieta vegetariana, onde apenas alimentos à base de plantas são consumidos. Apesar dessas restrições, com um bom planejamento ainda é possível obter todos os nutrientes necessários para uma boa saúde em uma dieta vegana.” [8]

Fundação Heart and Stroke (Coração e Derrame) do Canadá: “uma dieta baseada em vegetais pode reduzir sua pressão arterial, melhorar o colesterol, ajudar a alcançar um peso mais saudável e diminuir o risco de diabetes tipo 2. Também pode reduzir o risco de doença cardíaca e derrame.” [9]

Faculdade de Medicina de Harvard: “tradicionalmente, a pesquisa sobre vegetarianismo concentrava-se principalmente em possíveis deficiências nutricionais, mas nos últimos anos o pêndulo mudou para outro lado, e estudos estão confirmando os benefícios para a saúde da alimentação sem carne. Atualmente, a alimentação baseada em vegetais é reconhecida não apenas como nutricionalmente suficiente, mas também como uma maneira de reduzir o risco de muitas doenças crônicas.” [10]

Além destes há muitíssimos outros pareceres científicos confirmando o que nos ensinou Emmanuel na questão 129, nos dando confiança de que hoje não mais necessitamos (por sobrevivência e obviamente quando se pode fazer escolhas) de nos alimentar dos animais e de qualquer outro produto derivado da sua exploração, que têm nos trazido tantos prejuízos de ordem espiritual, ambiental, social, política e ético-moral como temos relatado aqui no MOVE.

Potanto, demonstrada a progressividade do Espiritismo que pode ter atualizada a si mesma por meio do benfeitor Emmanuel (e de muitos outros espíritos que poupamos de aqui relatar), tendo ainda comprovado cientificamente a desnecessidade do consumo de animais, retornemos ao Livro dos Espíritos, onde encontraremos quase ao lado da questão 723 uma outra questão, que por si só já naquela época nos ajudaria a nos movermos rumo a novas práticas e hábitos alimentares. Se trata da questão 734. Vejamos:

Questão 734. No seu estado atual, o homem tem direito ilimitado de destruição sobre os animais? Esse direito é regulado pela NECESSIDADE de prover à sua alimentação e à sua segurança; o abuso jamais foi um direito. [11]

Capacitados por esse conhecimento, ao ouvirmos um companheiro espírita utilizar a questão 723 para justificar a manutenção do consumo de animais, que possamos com todo amor e respeito oferecer o seguinte questionamento:

‘Agindo assim, em verdade não estaríamos abusando do nosso direito? Pois, em pleno século 21, não estamos mais em estado de necessidade que justifique abater os animais para consumo (L.E. 734), tendo a ciência já confirmado (progressividade) a resposta de Emmanuel (O Consolador 129) e de outros benfeitores espirituais sobre a desnecessidade do consumo de animais.’

Que possamos sempre nos deixar contaminar pela paz e amor de nosso mestre Francisco de Assis, agora e sempre. Que assim seja!

Referências:

[1] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. FEB. Questão 723.

[2] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). O Consolador. 29 ed. 5 imp. Brasília: FEB, 2017. 305 p. Capítulo 2 “Filosofia”, item 2.1. “Vida”, subitem 2.1.1. “Aprendizado”, questão 129, pp. 90-91.

[3] KARDEC, A. A Gênese. FEB. Capítulo I – Caráter da revelação espírita. Item 55.

[4] O colapso ambiental tem forma de bife. Gastrolândia: https://www.gastrolandia.com.br/reportagem/o-colapso-ambiental-tem-forma-de-bife/

[5] http://www.fao.org/3/i3437e/i3437e.pdf

[6] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19562864

[7] https://www.nhs.uk/live-well/eat-well/vegetarian-and-vegan-diets-q-and-a/

[8]https://daa.asn.au/smart-eating-for-you/smart-eating-fast-facts/healthy-eating/vegan-diets-facts-tips-and-considerations/

[9] https://www.heartandstroke.ca/get-healthy/healthy-eating/specific-diets

[10] https://www.health.harvard.edu/staying-healthy/becoming-a-vegetarian

[11] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. FEB. Questão 734.

2 respostas
  1. Sandra
    Sandra says:

    “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece.” Não perece não, prova disso são os atletas veganos esbanjando saúde e disposição. Prova disso são os médicos veganos, a propaganda viva do cardápio que recomendam. Prova disso são os humanos centenários que chegaram à idade avançada abolindo animais nas refeições. Prova disso são os animais selvagens herbívoros de grande porte, cuja energia e vigor ninguém contesta, que não precisam mastigar outros animais para alimentar a própria carne. Correto, a carne alimenta a carne daqueles que não possuem coração nem espírito que os leve a considerar o direito à vida de todos os seres. A carne alimenta a carne de corpos apenas, mas não somos corpos apenas, somos espíritos racionais que não têm usado o raciocínio, apenas, sensações. Somos os involuídos, ainda, que abdicam dos sentimentos de compaixão quando se sentam à mesa do próprio lar, avessos à real procedência dos cadáveres que estão no prato. Estes humanos da atualidade que se alimentam como primitivos e bárbaros, estes precisam sim, da carne e do sangue dos animais, porque a carne humana deles clama pela morte dos seres que precisam consumir para viver, senão morre. Serão humanos consumistas de carne enquanto não utilizarem o raciocínio ao invés dos espetos de churrasco; continuarão obsoletos, pobres e vazios, ainda que encham a pança para se nutrirem da carne que vem junto com o desespero, a agonia e a angústia dos matadouros, porque amam muito tudo isso.

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