Ao irmão da Natureza
Elegemos como patrono espiritual do MOVE, inspiração e sustento, o irmão da Natureza, o amigo da Paz, o querido Francisco de Assis.
E como preito de gratidão, te oferecemos este singelo texto, inspirado nos passos do poverello de Assis.
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Por Rafael van Erven Ludolf.
A natureza é o grande palco da vida, onde se apresentam as mais variadas existências, cada qual com suas vestimentas e papeis especialíssimos e interdependentes, compondo uma grande peça harmônica, sincronizada e bela.
Nesse espetáculo, evolutivo, não há papel mais relevante, todos se complementam e são igualmente importantes. Cada ser é um intérprete divino, sendo a espécie humana apenas um entre os elegantes fios da teia da vida.
Louvar a beleza de cada ser que se apresenta no palco da Criação, animado ou inanimado, vertebrado ou invertebrado, humano ou não humano – que importa? – é comungar com Deus. É vê-Lo a cada instante, é sentir a Sua presença constante, é reconhecê-Lo na vida abundante, laboriosa e palpitante. Afinal, haveria para Deus algo desimportante, sem graça, insignificante?
Portanto, todo aquele que aprendeu a arte de contemplar a Natureza comunga com Deus.
O orvalho que brilha, o vento que sopra, a flor que perfuma, a abelha que zumba são todos convites divinos ao deleite, ao louvor, a saudação ao Criador.
Como é admirável aquele que aprendeu a acariciar os animais, admirar as flores, os relevos, as paisagens… Me parece que o tão esperado sim de uma alma a Deus nascerá quando aprender a admirar tudo aquilo que seus olhos pousarem.
De fato, é preciso reconhecer o direito indistinto de pertencer, de viver, independente da forma que o princípio divino cubra o teu ser!
Afinal, nos disse o benfeitor André Luiz que “o respeito à Criação constitui simples dever.” [1]
Decerto que aquele dia virá, quando nós humanos aprenderemos a apreciar e cuidar como mães zelosas de cada pedaço de vida que palpita no divino concerto, cujo maestro é Deus, e com Ele caminhar.
A alma necessita na laboriosa senda redentora rumo a perfeição, de aprender a conectar-se com os demais seres, de valer-se desta comunhão com o Todo para sentir-se parte, pertencida e dependente, numa comunidade de Vida em abundância para todos.
É como disse o Mestre: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.” [2]
Sobre caminhar, comungar com Deus, louvar as vidas, quero exemplificar.
Certa vez conheci um homem, que pela maneira compassiva com que se doava a todas as criaturas, passou a ser chamado de Irmão da Natureza, pois para ele a forma não dava ensejo a qualquer limitação da sua capacidade de amar.
Como é admirável, em Francisco de Assis, a contemplação do irmão sol, lua e estrelas, do irmão vento, água, homens e animais…Seu louvor a Mãe-Terra.
Lá no seu memorável Cântico das Criaturas, que o Santo compôs quase cego numa cabaninha de palha, até mesmo um novo verso fora acrescentado ao inesquecível Sermão do Monte, “bem-aventurados os que sustentam a Paz, que por ti, Altíssimo, serão coroados.”
Sustentar é amparar, suportar, impedir de cair, escorar. Não bastava mais a virtude “bem-aventurados os pacificadores” declamada por Jesus naquela tarde sublime, era preciso também “sustentar a Paz”.
A inspiração nasceu, certamente, do Cancioneiro das Bem-aventuranças, do qual o Alter Christus se fez espelhar na vida e no seu corpo estigmatizado, que costumava chamar de “irmão burro”.
Tanto por isso que escreveu o padre Antônio Vieira em seus Sermões, “despi Francisco e vereis o Cristo: vesti o Cristo e vereis Francisco.”
O seu Cântico aos Irmãos ainda ecoa, perfuma e sustenta, apesar de. Como a nos convidar candidamente ao apreço e zelo por cada pedaço de vida que palpita no divino concerto, cujo maestro é Deus.
Em essência, a vida do Santo de Assis foi toda um chamamento divino para a construção e sustento da Cultura da Paz pela comunhão com Deus no trato com todas as criaturas.
Homem integral, quando clamava pela Paz diz seu primeiro biógrafo Tomás de Celano que “toda a sua pessoa era uma língua que pregava” e quando rezava “todo o seu ser era oração”.
Simples e afável nas palavras, porém muito convincente na exortação. E apesar de pregador pelo reino da Paz, falava o necessário e ensinava, “pregue sempre o Evangelho. Se necessário use palavras”.
Nada era mais eloquente e sonoro em Francisco do que o seu próprio exemplo.
Não há dúvidas de que precisamos da mística do poverello, hoje. Enquanto os humanos ainda indiferentes violentam a fauna, a flora, os mares e rios e, via de consequência, a si mesmos, menosprezando as edificações e o sustento da Paz.
Registrou Celano que “a todos os seres chamava irmãos” e “até pelos vermes tinha afeição”.
Já S. Boaventura, seu segundo biógrafo, narrou sua viagem por um tratado de paz com o Sultão Al-Kamil, conhecido por premiar aqueles que matavam cristãos.
Francisco não viu no Sultão do Egito um inimigo, mas um irmão. Não quis tomar o seu território, mas dar as mãos.
E agiu justamente como recomendou em sua Regra de Vida: “Aconselho, admoesto e exorto a meus Irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo que, ao irem pelo mundo, não discutam, nem porfiem com palavras, nem façam juízo de outrem, mas sejam mansos, pacíficos, modestos, afáveis e humildes […]. Ao entrarem em qualquer casa, digam antes: Paz a esta casa!”
O substantivo “irmão” no verbo do Santo da Paz é a chave de compreensão que revela toda a sua mística franciscana. É porque não se tratava de palavra, mas de senso de unidade.
Irmão é aquele que em relação a outrem é filho do mesmo pai e/ou mãe. Por extensão, aquele a quem se une para um fim comum e por um sentimento de fraternidade universal.
A equação era resolvida de maneira simples por Francisco. Se há um só Pai, todos somos irmãos.
Se Deus tudo fez, tudo é criação.
A Paz, porquanto, é força de sustento dessa união.
Bem-aventurados os que assim agem. Aos indiferentes, levava o Santo o remédio do amor e da conciliação.
Lemos no Espelho da Perfeição, provavelmente escrito por Frei Leão, que “absorto no amor de Deus, vislumbrava perfeitamente a bondade divina (…) em todas as criaturas.”
Modelo da Paz, não destruía, restaurava. Ligeiro no perdoar, a ninguém julgava.
Pois assim ouviu certo dia na capelinha de São Damião a inesquecível voz do Cristo, que lhe disse: “Francisco, vai e reconstrói a minha igreja que está em ruínas”.
Igreja do espírito e da matéria, de homens e de pedras, Francisco restaura e sustenta.
Todas as expressões de vida valiam por si mesmas, e não pelo que podiam lhe dar de retorno.
A natureza humana e não humana, criações divinas, eram irmãs suas, que a todos restaurava e sustentava, sem qualquer distinção.
Muito bem narrou Pietro Ubaldi sobre esse estado de unidade que vivia o Santo: “Francisco, de pé sobre a rocha, de braços abertos, contemplava. Deixava-se acompanhar e guiar pela voz de todas as criaturas irmãs para o Criador comum. A maré imensa das radiações de todas as coisas parecia elevar-se como ele para Deus, harmonizando-se em uma orquestração cada vez mais doce e espiritual. Cada ser era uma nota falando-lhe de Deus. Tudo falava à sua alma sensível, e ele tudo ouvia e compreendia. (…) Em paz as criaturas abandonavam-se confiantes (…)” [3]
À irmã cigarra que “imediatamente lhe voou para a sua mão”, também não escapou do seu atraente magnetismo de amor. Disse o beato Francisco, “canta, minha irmã cigarra, e louva jubilosa ao Senhor, teu Criador.”
Outros talvez violentariam a irmã cigarra, que comete o crime de cantar e cumprir sua função na mãe natureza com grande dedicação, enquanto os homens ainda não.
Ao lobo feroz e faminto, excluído do olhar dos habitantes da cidade de Gubbio, chamou-o afável com indescritível espírito de integração, diferente daqueles que, armados, buscavam assassiná-lo. “Anda cá, irmão lobo! (…) eu quero fazer as pazes entre ti e eles.”
Idêntica afeição nutria pelos peixes. Como diz Celano, “se lhe era possível, devolvia à água, vivos, os peixes capturados, e recomendava-lhes que não se deixassem apanhar de novo”. Mesmo quando no lago de Rieti recebeu uma tainha de um amigo, “pegou o Santo na tainha e, cheio de alegria e ternura, saudou-a por irmã. Em seguida, restituiu-a às águas do lago”.
Eis o poder imponderável da Paz, do Santo da Conciliação, a divina inspiração que fez alguém registrar séculos depois as sublimes máximas da famosa oração, “onde houver ódio, que eu leve o amor”, “onde houver discórdia, que eu leve a união.”
Inda hoje nos indaga Jesus de Nazaré:
“Que buscais?”.
“Que fazeis de extraordinário?”.
“Tendes ainda o vosso coração endurecido?”
Fato é que precisamos urgente deste espírito de contemplação, deste senso de unidade e cooperação, de nos tratarmos uns aos outros, homens, animais, Natureza, como Irmãos.
Desarmemo-nos e passemos a comungar.
Para que a espiritualidade franciscana nos ajude a desenvolver a percepção de uma habitação comum e faça morada em nossos corações cansados de guerrear, sedentos de Paz.
A verdade é que temos saudade de pai Francisco, e talvez por isso temos sentido sua comovente aproximação na Terra, influenciado os movimentos de amor pela Natureza.
Desejamos, de certo modo, a sua volta. E por isso evocamos as palavras da querida benfeitora Joanna de Ângelis, talvez Clara de Assis, quando disse:
“O mundo sente saudades de Pai Francisco, anela por ouvir novamente a sua canção de ternura dedicada a todos os irmãos da Natureza”
“Volta! Irmão Francisco, para novamente reunir as tuas criaturas, todas elas, como fizeste naqueles dias”
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Sigamos, tendo como meta e inspiração a edificação e sustento da Paz, comungando com Deus pelo amor a toda a Criação.
Paz e bem.
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REFERÊNCIAS:
[1] VIEIRA, W. ANDRÉ LUIZ (Espírito). Conduta espírita. 32 ed. 7 imp. Brasília: FEB, 2017. 118 p. Capítulo 33 “Perante os animais”, pp. 89-90.
[2] João 10:10. Tradução de Haroldo Dutra Dias. 1ª Ed. FEB.
[3] UBALDI, P. A Nova Civilização do Terceiro Milênio. Capítulo 29 – S. Francisco no Monte Alverne (1ª Parte). 5ª Ed. IPU. 2007.
[4] FRANCO, D. P.; SAID, C. B. Francisco, o Sol de Assis. 1 ed. Salvador: LEAL, 2014. Páginas 11 e 21. Psicografias de Divaldo P. Franco.
FONTES FRANCISCANAS. São Paulo: Editora Mensageiro de Santo Antônio, 2005. Todas as citações sobre Francisco de Assis foram tiradas deste livro.
Como seria belo, semos, todos nós como Francisco de Assis.
Que belo texto! Uma leitura envolvente e cheia de encantos que desperta belos sentimentos e nos aproxima dessa alma extraordinária que é Francisco de Assis!