Artigo #08: Temos uma Ética Animal Espírita?

Por Rafael van Erven Ludolf.

Ao longo da nossa singela trajetória emquanto MOVE percebemos que a identidade, os objetivos, a vocação e a essência do MOVE são de “Ética Espírita” e de “Ética Animal” e “Ética Ambiental”, ou melhor (e por que não?): de uma ÉTICA ANIMAL ESPÍRITA?

Mas, o que seria isso? Uma inovação?

Não! E isso sequer importa. Pois, em verdade, se trata de uma CONSTATAÇÃO!

Constatação decorrente de uma pesquisa realizada no conjunto literário fundamental da própria Doutrina Espírita e aliado aos avanços científicos sobre o tema, pela qual o MOVE vem oferecendo gentilmente ao movimento espírita, visando melhorar a relação humana com os animais e ecossistemas.

O objetivo é único: retribuir amor à toda a Criação.

Ouvir mais uma vez o Laudato Si (louvado seja) a todas as criaturas cantado por Francisco de Assis há 800 anos, só que agora através da voz de cada um de nós. [1]

Afinal, já nos disse André Luiz que o “respeito à Criação constitui simples dever”. [2]

A citada pesquisa foi realizada nas obras espíritas clássicas, gerando o nosso CATÁLOGO DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA ÉTICA ANIMAL ESPÍRITA, onde encontramos até o momento mais de 180 trechos referentes a mais de 100 obras espíritas clássicas. Esse Catálogo (confira aqui no site) está em constante atualização e conforme a pesquisa avança o número de achados aumenta.

O que a pesquisa demonstrou de maneira clara é que variados benfeitores espirituais através de médiuns renomados pediram a inclusão dos animais e da Natureza nas ações morais humanas, desde a renovação de hábitos alimentares para uma dieta vegetariana até o apoio aos movimentos de proteção e defesa dos animais e da Natureza, inclusive com a utilização dos recursos terapêuticos espíritas – incluídos os de natureza mediúnica – no socorro aos animais. Os Benfeitores até mesmo nos pediram que aprendamos a Lei de Deus pela contemplação da Natureza.

Nesse particular, as metas primordiais que estão na base do cristão espírita, aquelas de cumprimento da “Lei de Justiça Amor e Caridade” e do “Maior Mandamento”, foram especificamente interpretadas pelos Bons Espíritos como só podendo ser integralmente vividas se nelas for incluído aí o amor aos animais e à Natureza. [4, 5]

Para tanto, mensagens firmes, brandas, diretas, enigmáticas e poéticas foram ditadas pelos Imortais, convidando, por variados ângulos, o ser humano ao engajamento no sublime despertar da consciência ética para com todas as existências, independente da forma.

Veremos Emmanuel, sem rodeios, dizendo-nos que “a ingestão das vísceras dos animais é um erro de enormes consequências, do qual derivaram numerosos vícios da nutrição humana. É de lastimar semelhante situação…”, ao mesmo tempo em que, docemente, roga-nos, ao interpretar o Maior Mandamento: “Escuta a Lei Sublime do Bem (…) nas páginas vivas da Natureza, aguardando a tua piedade para as árvores despejadas, para as fontes poluídas, para as aves sem ninho ou para os animais desamparados e doentes.” [6, 7]

Vicente de Paulo, na principal obra doutrinária, O Livro dos Espíritos, justamente no capítulo que trata da “Lei de justiça, de Amor Caridade”, ou seja, aquela que, segundo Allan Kardec, resume todas as outras Leis Morais, exortou: “sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à lei de Deus.” [8]

Como cumprir a Lei de Deus, de Justiça, Amor e Caridade, dizimando com requintes de crueldade os animais e os ecossistemas?

Que tipo de Justiça aprisiona um ser inocente, contra a sua vontade, tira-lhe o direito de convívio com os seus, explora e encurta substancialmente o tempo de sua vida, condenando-o apenas por ter nascido em uma outra espécie, a fim de que alguém se deleite por alguns minutos numa refeição ou entretenimento?

Que tipo de Caridade faz acepção de espécies, de reinos, limitando a extensão dos seus braços e recursos somente àqueles considerados racionais?

Onde o Amor nesta lógica antropocêntrica e especista?

Ao enumerar a conduta do espírita, André Luiz frisou que este deve “Abster-se de perseguir e aprisionar, maltratar ou sacrificar animais domésticos ou selvagens, aves e peixes, a título de recreação, em excursões periódicas aos campos, lagos e rios, ou em competições obstinadas e sanguinolentas do desportismo. Há divertimentos que são verdadeiros delitos sob disfarce.” [9]

Casimiro Cunha, com a sua conhecida veia poética, declamou que “Na casa da Natureza, o Pai espalhou com arte as bênçãos de luz da vida, que brilham em toda a parte. Essas bênçãos generosas, tão ricas, tão naturais, são notas de amor divino na esfera dos animais. Não te esqueças: no caminho, praticando o bem que adores, busca ver em todos eles os nossos irmãos menores.” [10]

Não faltaram lições da Espiritualidade enfatizando que o abate de animais e o seu consumo facilita, por exemplo, a obsessão, o vampirismo, os desencarnes prematuros (pelas energias enfermiças que são absorvidas pelo corpo espiritual e físico). Enfermidades graves que os Centros Espíritas se esforçam para auxiliar, só que ainda desconsiderando tais respeitosas e amorosas advertências dos Espíritos, ou seja, não utilizando como aliados à evolução do planeta, à saúde única dos humanos e não humanos e, notadamente, de toda a Natureza.

Suplicaram a nós um novo pensar, olhar e sentir. Um novo modo de agir, uma nova ética, uma nova moral, essencialmente espírita, necessariamente inclusiva dos ecossistemas e do irmão animal.

Não se pode mais negar ou duvidar que o Espiritismo requer um novo agir moral no mundo, extensivo a toda a Natureza, todas as espécies e não somente à humana, superando o prejudicial modelo antropocêntrico e especista e inserindo o Espiritismo no campo das modernas filosofias de inclusão dos animais e ecossistemas nas considerações morais humanas.

Vale lembrar a benfeitora Joanna de Ângelis, quando disse que “os amigos dos animais levantam-se para profligar contra o abuso e a impiedade com que muitos os tratam” e que “os destruidores da fauna e os devastadores da flora perderam a direção da vida”. [11]

Portanto, como é importante nomear para conhecer, buscando chamar atenção para um ponto pouco observado, o MOVE (re)apresenta ao movimento espírita o conceito de ÉTICA ANIMAL ESPÍRITA.

Aqui, vale rememorar mais uma vez a benfeitora Joanna de Ângelis quando discorreu sobre o cumprimento do Maior Mandamento, meta de todo cristão: “ama pelo caminho, quanto possas, plantas, animais, homens, e te descobrirás superiormente amando a Deus”. [12]

Como amar a Deus sem amar a Sua Criação?

Porém, antes de delinear o conceito, vale uma brevíssima digressão sobre “Ética”, “Ética Espírita”, “Ética Animal” e “Ética Ambiental” para traçarmos uma linha de raciocínio que desembocará diretamente na “Ética Animal (e Ambiental) Espírita”.

A “Ética”, na filosofia, pode ser entendida como o estudo do conjunto de valores morais de um grupo ou indivíduo, uma reflexão crítica sobre como devemos agir e por quê.

Já a “Ética Espírita”, em apertada síntese, significa um agir e sentir em conformidade com as Leis de Deus, discernindo entre o bem e o mal e tendo Jesus Cristo como Modelo e Guia.

Noções como “o homem de bem” e as “leis morais”, sobretudo a “lei de justiça, amor e caridade” (que resume todas as outras) nos levam diretamente a esta conclusão, aliadas às questões 629 e 630 de O Livro dos Espíritos que definem a moral espírita como a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal, fundada na observância da lei de Deus.

Já a “Ética Animal”, que surgiu como um conceito novo da filosofia a partir da década de 1970, significa considerar o animal não humano como legítimo sujeito da ética e defender a sua inclusão nas considerações morais humanas. Ética animal é, portanto, o campo que trata de como e por quê devemos levar em conta os animais não humanos nas nossas decisões morais.

Por fim, a “Ética Ambiental” trata do relacionamento do homem com o mundo natural, considerando que a conservação da vida humana está intrinsecamente ligada à conservação da vida de todos os seres, em oposição ao antropocentrismo. Por esse conceito, a racionalidade não é sinal de superioridade. O homem deixa de ser “dono” da natureza para voltar a ser parte da Natureza, que detém valor intrínseco, próprio, e não meramente instrumental.

Assim sendo: se a “Ética” na Filosofia é um conjunto de valores e hábitos morais, a “Ética Espírita” é um proceder em conformidade com a Lei de Deus em cuja observância se deve incluir o amor aos animais e aos ecossistemas, e a “Ética Animal e Ambiental” é um reconhecimento do valor próprio destes e a sua inclusão nas considerações morais humanas, é forçoso concluir que há, portanto, uma ÉTICA ANIMAL E AMBIENTAL ESPÍRITA que, iluminada pelas lições de Jesus, converte o homem da tradicional e ultrapassada posição de dominador para a de cuidador da Criação Divina. Nem superior nem inferior, mas sim um fio particular na teia da vida.

Afinal, nos diz o Livro dos Espíritos que “tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto!”. [13]

Ora, passar a respeitar, incluir, louvar, integrar os animais não humanos e os ecossistemas nas ações humanas não seria perceber esse conjunto, essa lei de harmonia, esse encadeamento?

Dessa forma, como ÉTICA ANIMAL ESPÍRITA entendemos então a ‘conduta moral que inclui no esforço de vivenciar a lei de Deus não somente o bem dos seres humanos, mas também dos não humanos e de toda a Natureza. Via de consequência, implica, em um esforço gradativo e coletivo de mudança de hábitos pessoais e nos espaços espíritas, por meio da adoção da alimentação vegetariana estrita, do consumo de produtos ecológicos, do oferecimento de tratamento aos animais e do ensino da ética animal desde as atividades infantis.’

Fato é que o momento é grave, as florestas queimam, os animais tombam, os oceanos choram…, o homem perde a direção da vida enquanto instrumentaliza os animais e a Natureza. Desta forma, do conceito, palavras, que podem ser discutidos, o que vale é a vivência! Portanto, rogamos a Jesus e Francisco de Assis o amparo para que consigamos coletivamente elevar a nossa relação com todas as formas de vida.

Como nos disse Chico Xavier: “se CONTINUARMOS agredindo-a (Natureza) demasiadamente, o preço será pago por nós próprios, porque depois voltaremos em novas gerações, plantando árvores, acalentando sementes, modificando o curso dos rios, despoluindo as águas, drenando os pântanos e criando filtros que nos libertem da poluição. O problema será sempre do homem. Teremos que REFAZER TUDO, porque estamos agindo contra nós mesmos”. [14]

Podemos, hoje, pela atitude de cada um, fazer a diferença!

Deus nos abençoa a todos.

Referências:

[1] Se refere ao Cântico das Criaturas que Francisco de Assis compôs enfraquecido pelas enfermidades, quase cego, numa cabana de palha na Capelinha de S. Damião, que pode ser lido aqui: https://franciscanos.org.br/…/simbo…/o-cantico-das-criaturas

[2] VIEIRA, W. ANDRÉ LUIZ (Espírito). Conduta espírita. 32 ed. 7 imp. Brasília: FEB, 2017. 118 p. Capítulo 33 “Perante os animais”, pp. 89-90.

[4] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. 359 p. Livro Terceiro “Das Leis Morais”, capítulo XI “Lei de Justiça, Amor e Caridade”.

[5] Evangelho de Mateus 22:34-40. Novo Testamento.

[6] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). O Consolador. 29 ed. 5 imp. Brasília: FEB, 2017. 305 p. Capítulo 2 “Filosofia”, item 2.1. “Vida”, subitem 2.1.1. “Aprendizado”, questão 129, pp. 90-91.

[7] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). Alma e luz. Capítulo “O maior mandamento”.

FRANCO, D. P.; JOANNA DE ÂNGELIS (Espírito). Garimpo de amor. 6 ed. Salvador: LEAL, 2015. 200 p. Capítulo 13 “Amor e progresso”, pp. 88-89.

[8] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. 359 p. Livro Terceiro “Das Leis Morais”, capítulo XI “Lei de Justiça, Amor e Caridade”, item III “Caridade e Amor ao Próximo”, questão 888-a, por São Vicente de Paulo, pp. 295-296.

[9] VIEIRA, W. ANDRÉ LUIZ (Espírito). Conduta espírita. 32 ed. 7 imp. Brasília: FEB, 2017. 118 p. Capítulo 33 “Perante os animais”, pp. 89-90.

[10] XAVIER, F. C.; CASIMIRO CUNHA (Espírito). Cartilha da Natureza: A Criação. Rio de Janeiro: FEB, 2008. 96 p. Capítulo “Os animais”, pp. 25.

[11] FRANCO, D. P.; JOANNA DE ÂNGELIS (Espírito). Leis Morais da Vida. 15 ed. Salvador: LEAL, 2014. 224 p. 2a parte, cap. 1 “Amar a Deus”, pp. 18.

[12] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. Questões 625, 629 e 630.

[13] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. 359 p. Livro segundo “Mundo espírita ou dos Espíritos”, capítulo IX “Intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo”, item IX “Ação dos Espíritos sobre os fenômenos da Natureza”, questão 540, pp. 202-203.

[14] LEMOS, G.; Mandato de Amor. UEM, 1992. Cap. 14 “Entrevista (Chico Xavier) ao jornal Estado de Minas, pp. 431.

1 responder
  1. Sandra
    Sandra says:

    Não, não temos mas deveriamos ter uma ética animal e ambiental espírita já que somos “unha e carne” com os reinos da natureza, interligados porque descendentes diretos deles. Deveria ser absolutamente natural para os espíritas cristãos essa característica de Francisco de sentir o que os animais sofrem e de se conectar tão belamente com o Sol, as Flores, a Lua e as Estrelas, não apenas denominando-os “irmãos ” mas considerando-os de verdade como tais. Falta aos espiritas, em geral, essa faculdade simples e pura de se comover com animais que sofrem, essa empatia de se colocar no lugar do outro e de chorar com ele, enquanto tudo se faz para salva-lo. Isso porque são especistas, enaltecendo valores humanos mas desprezado os das outras espécies, incapazes do amor singelo e fraterno de Francisco por todas elas, as criaturas de Deus. Faltam-lhes os olhos para ver e os ouvidos para ouvir estes irmãos menores, pelos quais deveriam se responsabilizar e proteger como pais dedicados protegem seus bebês, pequeninos e carentes, pelos quais dariam a própria vida para que não morressem.

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