Artigo #2 – Para onde os animais vão após o desencarne?

Por Isabela Alencastro dos Reis, integrante do MOVEJOVEM.

O corpo material é um veículo de extrema importância que utilizamos para vivenciar experiências que auxiliarão em nossa jornada evolutiva. Quando desencarnamos, nos resta a alma que, segundo o espiritismo, retorna aos planos espirituais para desfrutar novas vivências. Reconhecemos esse processo, pois, desde cedo, nos é ensinado a respeito da alma dos homens, mas será que ocorre o mesmo processo com nossos irmãos não humanos? É perceptível algumas semelhanças entre o processo de desencarne dos humanos e dos animais no “Livro dos Espíritos”:

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?
“Há e que sobrevive ao corpo.” [1]

Logo, fica evidente que o princípio do animal conserva seu corpo espiritual e mantém sua totalidade, bem como sua individualidade, mas para onde exatamente esse espírito vai após o desencarne? Primeiramente, destaca-se a divergência de opiniões relacionadas à esse tema, pois alguns espíritas creem na reencarnação instantânea de todos os animais, outros acreditam que essas almas permanecem por determinado período de tempo nos planos espirituais, e, há aqueles que defendem a existência de uma alma-grupo em que essas almas perderiam sua individualidade após o desencarne. Vejamos o que diz o “Livro dos Espíritos”:

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, nem estado de erraticidade, como a do homem?
“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente. Não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.” [2]

Segundo o “Livro dos médiuns”, “a erraticidade é definido como o estado em que se encontram os Espíritos errantes, ou erráticos, isto é, não encarnados e em processo de evolução, durante o intervalo de suas existências corporais” [3]. Ou seja, erraticidade trata-se dos planos espirituais. Os animais, segundo a questão 595 do “Livro dos Espíritos”, gozam de livre-arbítrio limitado [4], não possuindo a faculdade de escolha para qual plano espiritual irão, por isso a espiritualidade se expressa utilizando a frase: “Fica numa espécie de erraticidade”.

A resposta prossegue:

“O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente.”

Esse processo denominado de “classificação” é de suma importância para os animais, pois é nesse momento que há a continuidade do aprendizado na vida espiritual. Os Espíritos encarregados de cuidar e direcionar a alma do animal para um plano espiritual são chamados de zoófilos. José Herculano Pires, considerável jornalista espírita afirma: “O reino animal é protegido e orientado por espíritos humanos que foram zoófilos na Terra, segundo numerosas informações mediúnicas.” [5]

Dessa forma, nossos irmãos não humanos são acolhidos e amparados por esses espíritos, semelhantemente a nós humanos. Após muitas evidências mediúnicas, nota-se a presença de algumas espécies de animais nas colônias. Ernesto Bozzano, foi um importante pesquisador que viveu no século XX e tentou provar a existência da alma animal. Uma de suas obras mais famosas, “A Alma dos Animais”, conta com uma série de relatos de animais no plano espiritual. No livro “Memórias de um Suicida”, da médium Yvonne do Amaral Pereira, há também uma referência aos animais no mundo espiritual. Relatos de André Luiz em “Nosso Lar”, retratam espécies de animais nas colônias:

“Aves de plumagens policromas cruzavam os ares e, de quando em quando, pousavam agrupadas nas torres muito alvas, a se erguerem retilíneas, lembrando lírios gigantescos, rumo ao céu.” [6]

Ainda sobre os animais nos planos espirituais afirma Divaldo, importante médium contemporâneo: “Por isso, quando os animais morrem, de acordo com as missões que Deus reserva para todos nós, podem ter um retorno imediato, e podem também permanecer no mundo espiritual por mais algum tempo. Não há uma data fixa, determinada, porque tudo é relativo neste mundo de relatividade.” [7]

Os relatos são inúmeros, portanto, há sim a presença de animais nos planos espirituais! Porém, o relato de Divaldo aborda uma questão importante, raiz da crença na reencarnação instantânea dos animais: O tempo de passagem dos nossos irmãos não humanos de um plano pro outro. Retornemos a questão 600 do “Livro dos Espíritos”: “O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente.”

O espírito deixa claro que o animal não reencarna imediatamente, mas sim, é utilizado (ou seja, encaminhado para determinada colônia, onde irão conviver com almas humanas para que ambos possam trocar experiências que contribuirão para a jornada evolutiva de cada espírito) quase imediatamente, o que não significa que todas as espécies passarão por esse processo instantaneamente.

Vale ressaltar que o reino animal é vasto e o processo de reencarnação se difere entre as espécies. Dou-lhes um exemplo prático: Cientificamente, um porco é mais inteligente que um grilo e esse fator pode influenciar na vida espiritual de ambas as espécies. Além do intelecto, a consciência também é um divisor de águas para o processo de reencarnação dos animais. Segundo o neurocientista Panksepp:

“As semelhanças neurológicas entre humanos e outros animais foram consideradas como sugerindo semelhanças de experiências conscientes, todos os mamíferos compartilham a mesma anatomia cerebral básica” [8]

Além disso, as obras espíritas das quais descrevem animais nas colônias retratam duas classes de animais: as aves e os mamíferos, que, considerando aspectos biológicos são considerados mais “evoluídos” e possuem consciência mais desenvolvida que as demais classes. Por isso, há sim a possibilidade das outras espécies reencarnarem quase imediatamente. Á medida que este evoluir, assumirá novas espécies e poderá ter sua estadia nos planos espirituais prolongada. No entanto, deve ressaltar que, apesar de não passarem pelo mesmo processo reencarnatório que outras espécies, não devem ser vistos como meros objetos e merecem respeito, bem como os outros animais.

Temos consciência de que a vida espiritual é uma etapa importante na jornada evolutiva e assim também ocorre com os animais que passam por experiências de muito aprendizado e colaboração durante o período de erraticidade. Vejamos, por exemplo no capítulo 33 do livro “Nosso Lar” psicografado por Chico Xavier:

“Identifiquei a caravana que avançava em nossa direção, sob a claridade branda do céu. De repente, ouvi o ladrar de cães, a grande distância.
Que é isso? interroguei, assombrado.
Os cães disse Narcisa são auxiliares preciosos nas regiões obscuras do Umbral, onde não estacionam somente os homens desencarnados, mas também verdadeiros monstros, que não cabe agora descrever…
…Seis grandes carros, formato diligência, precedidos de matilhas de cães alegres e bulhentos, eram tirados por animais que, mesmo de longe, me pareceram iguais aos muares terrestres. Mas a nota mais interessante era os grandes bandos de aves, de corpo volumoso, que voavam a curta distância, acima dos carros, produzindo ruídos singulares…
… em muitos casos, não se pode prescindir da colaboração dos animais.
Como assim? perguntei, surpreso.
Os cães facilitam o trabalho, os muares suportam cargas pacientemente e fornecem calor nas zonas onde se faça necessário ; e aquelas aves acrescentou, indicando-as no espaço, que denominamos íbis viajores, são excelentes auxiliares dos Samaritanos, por devorarem as formas mentais odiosas e perversas, entrando em luta franca com as trevas umbralinas.”
[9]

Portanto os animais e humanos evoluem mutuamente, sem qualquer relação de exploração e superioridade entre si. Então, muitas vezes a vida espiritual do animal se difere da vida material nesse aspecto… Os animais são felizes nas colônias, não estão ali apenas pelo trabalho, para serem usados e tampouco escravizados como são tratados na Terra. Os tutores espirituais dos animais cuidam para que tenham tempo de lazer, estudo, trabalho e socialização com outros espíritos. Podemos observar isso em “A Gênese”: “Assim qualquer que seja o grau em que se ache (o espírito) na hierarquia espiritual, do mais ínfimo ao mais elevado, têm eles suas atribuições no grande mecanismo do Universo; todos são úteis ao conjunto, ao mesmo tempo em que a si próprios” [10]

Até então, o princípio animal passa pelo mesmo processo que a alma dos humanos. A visão antropocêntrica dos animais como seres desalmados, ou, à parte do mundo espiritual levou os homens a distorcerem esse processo e, ignorando tais evidências, se sentem no direito de cometerem atrocidades com nossos irmãos menores, como uma espécie de cegueira moral que impossibilita que vejamos as consequências tanto físicas quanto espirituais para esses seres. Baseado nisso, o processo de desencarne de um animal que é acometido por violência, exploração e, por fim, por uma morte traumática, trás consequências á esse espírito?

Em primeiro lugar, é necessário lembrar que na maioria das vezes, o assassinato dessas vidas para o consumo apresenta requintes de crueldade, que gera trauma e desequilíbrio á esses animais. O abate interrompe o tempo de vida do animal de maneira prematura, assim, um boi que naturalmente vive entre 15 a 20 anos, na indústria de carne tem seu tempo de vida reduzido, em média, para 32 semanas, as vacas leiteiras são mortas com 5 anos e em condições naturais vivem de 15 a 20 anos idem. Galinhas poedeiras são mortas em média com 1 a 2 anos, enquanto na natureza vivem 8 anos. Os pintinhos machos, na indústria de ovos são vistos como inúteis, por isso, são descartados em média, com 1 a 2 dias de vida e por assim vai [11]. Kardec já indagava sobre essa questão no século XIX:

Se a regeneração dos seres faz necessária a destruição, por que os cerca a Natureza de meios de preservação e conservação?
“A fim de que a destruição não se dê antes de tempo. Toda destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do princípio inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade de viver e de se reproduzir.”[12]

Dessa forma, a morte prematura dos animais gera consequências espirituais para o mesmo, pois entrava seu desenvolvimento e limita as experiências que seriam vivenciadas pelo animal na vida material. Além do tempo de vida reduzido, é necessário entender como a violência é praticada. Métodos de tortura são utilizados tais como queima e corte de chifres, marcação com ferro quente, castração sem anestesia, inseminação (estupro), entre outros. Vale ressaltar que, o animal passa por tudo isso antes de chegar ao abatedouro, ou seja, ainda criança. [13]

Para tentar entender o processo de como ocorre o desequilíbrio espiritual no animal após essas violências, é necessário pontuar:

1) Os animais também emanam energias, que podem entrar em desequilíbrio em situações de estresse:
“Todos os seres dos diferentes reinos da natureza vibram numa determinada freqüência e emanam uma energia. Essa vibração define a qualidade do campo eletromagnético de cada criatura. Isso vale para os vegetais, para os animais e para espécie humana.” [14]
“Evidentemente, um estado de desequilíbrio no nosso campo mental e espiritual, promove imediatamente um reajuste no nosso sistema energético, o que nos leva também a sintonia com determinado tipo de energia.” [15]

2) A qualidade do pensamento e sentimento interfere no campo vibratório:
Antes de tudo, é necessário compreendermos o avanço científico em relação à cognição dos animais. Já é um consenso que algumas espécies de animais têm a plena capacidade de pensar. Nesse quesito destaco a Declaração de Cambridge, proclamada em 2012: “A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais.” [16]

Além de serem capazes de sentir com consciência, alguns também compreendem o simbolismo da morte e sofrem com o luto. Vejamos o que diz Suely Caldas Schubert sobre o pensamento: “Na qualidade do pensamento que emitimos, que cultivamos e que recebemos dos outros, aceitando-os ou não, está o ‘mistério’ da saúde ou da doença, da paz ou do desequilíbrio” [17]

Ou seja, seres pensantes podem ter interferências em sua saúde e em seu equilíbrio espiritual, de forma que o bem-estar emocional do animal reflete seus pensamentos e sentimentos e vice-versa, alterando seu campo eletromagnético, como é dito por Trigueiro.

3) O processo de abate e confinamento gera impacto no psicológico do animal:
Durante todos os processos dos quais os animais tanto aquáticos, quanto terrestres passam para chegar até nosso prato, há muita violência que gera sofrimento para esses seres. Isso porque, sentem aflição e medo ao não saberem onde estão e para onde vão, veem outros animais (amigos e familiares) sendo brutalmente mortos e ouvem seus gritos de dor. Além disso, é necessário pontuar que nem todas essas mortes são instantâneas e o sofrimento somado a dor física pode se estender por alguns minutos. Estudiosos afirmam que, durante o confinamento no corredor de acesso a sala de abate os níveis de estresse dos animais podem aumentar. Logo, uma vez que esses animais conseguem pensar, tentemos imaginar o que se passa na cabeça de um animal que vive todo esse processo e qual tipo de energia esse ser emana ao sofrer uma morte traumática.

4) Danos ao períspirito dos animais:
Há alguns relatos na ASSEAMA (organização espírita e vegana) de animais que passaram por morte traumática e tiveram danos em seu perispírito, como por exemplo, um touro que ao desencarnar em uma tourada, teve seu perispírito marcado pela violência pela da qual foi submetido e por isso, teve que ser encaminhado para tratamento. Segundo Emmanuel: O corpo espiritual pode se alterar “de acordo com o padrão vibratório do campo interno”. [18]

Dessa forma, tendo o conhecimento de que o campo vibratório dos animais é alterado em função de seus pensamentos no momento em que este sofre uma morte traumática, há sim, a possibilidade desse desequilíbrio gerar danos para seu corpo espiritual e esses relatos corroboram para essa tese.

Em suma, entende-se que o momento de desencarne é crucial para seres espirituais não humanos, pois é justamente nesse período que os animais se recuperam de traumas causados pela vida material e continuam seu processo de aprendizagem. Esperamos que um dia sejamos todos zoófilos encarnados e possamos tratar os animais com a sua devida importância afinal, no fim somos todos irmãos de um mesmo Pai.

Referências:

[1] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile. Capítulo 11. Questão 597.
[2] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile. Capítulo 11. Questão 600.
[3] KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Capítulo 23. “Vocabulário Espírita”.
[4] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile. Capítulo 11. Questão 595.
[5] HERCULANO, J. Mediunidade. Capítulo 11.
[6] XAVIER, F. Nosso Lar. Capítulo 7.
[7] Trecho retirado de uma palestra de Divaldo franco
[8] PANKSEPP et. al., 2012
[9] XAVIER, F. Livro Nosso Lar. Capítulo 33.
[10] A Gênese, capítulo 11, Gênese Espiritual , item 28
[11] Informações retiradas de: https://mercyforanimals.org.br
[12] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. FEB (site). Capítulo VI. Questão 729, pp. 426
[13] Informações retiradas de: https://animalequality.org.br/
[14] TRIGUEIRO, A. A força do um.
[15] Artigo: https://espirito.org.br/palestras/pensamento-sintonia-e-energias/
[16] Declaração de Cambridge redigida por Philip Low e editada por Jaak
Panksepp, Diana Reiss, David Edelman, Bruno Van Swinderen, Philip Low e Christof Koch.
[17] SCHUBERT, S. Obsessão e desobsessão. Profilaxia e terapêuticas espíritas.
[18] XAVIER, F. Emmanuel, Espírito. “Roteiro”. p. 32