Artigo #08: Temos uma Ética Animal Espírita?

Por Rafael van Erven Ludolf.

Atualizado pelo autor em janeiro de 2024.

Ao longo da nossa trajetória enquanto MOVE percebemos que a nossa missão é estabelecer um diálogo entre a ética espírita e a ética animal e ambiental, o que passamos a chamar de ÉTICA ANIMAL ESPÍRITA.

Isso decorreu de uma pesquisa realizada na literatura espírita e aliado aos avanços científicos sobre a questão animal e ambiental.

O objetivo é melhorar a nossa relação com as espécies companheiras e transformar a sociedade para que seja fraterna e justa com humanos e não-humanos.

É ecoar de novo o Laudato Si (louvado seja) a todas as criaturas cantado por Francisco de Assis há 800 anos. [1]

Afinal, já nos disse André Luiz que o “respeito à Criação constitui simples dever”. [2]

A citada pesquisa realizada nas obras espíritas resultou no CATÁLOGO DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA ÉTICA ANIMAL ESPÍRITA, onde encontramos mais de 200 trechos de mais de 100 obras espíritas. Esse Catálogo (confira aqui no site) está em constante atualização e conforme a pesquisa avança o número de achados aumenta.

O que a pesquisa tem demonstrado é que variados autores espíritas pediram a inclusão dos animais e da Natureza nas nossas considerações morais, desde a renovação de hábitos alimentares para o vegetarianismo até o apoio aos movimentos de defesa dos animais e da Natureza.

Nesse particular, a “Lei de Justiça Amor e Caridade” expressa em O Livro dos Espíritos e o “Maior Mandamento” do Evangelho tão caras aos espíritas, foram especificamente interpretadas pelos autores espíritas como só podendo ser integralmente vividas se nelas for incluído o respeito aos animais e à Natureza. [4, 5]

Textos firmes, brandos e poéticos foram escritos, convidando, por variados ângulos, o espírita a se engajar no aprimoramento moral de si e na transformação social a favor das demais espécies que compartilham o planeta conosco.

Veremos Emmanuel, sem rodeios, afirmando que “a ingestão das vísceras dos animais é um erro de enormes consequências, do qual derivaram numerosos vícios da nutrição humana. É de lastimar semelhante situação…”, ao mesmo tempo em que interpreta o Maior Mandamento a favor da Natureza: “Escuta a Lei Sublime do Bem (…) nas páginas vivas da Natureza, aguardando a tua piedade para as árvores despejadas, para as fontes poluídas, para as aves sem ninho ou para os animais desamparados e doentes.” [6, 7]

Vicente de Paulo, no capítulo que trata da “Lei de justiça, de Amor Caridade” de O Livro dos Espíritos, que segundo Allan Kardec resume todas as outras Leis Morais, apontou: “sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à lei de Deus.” [8]

Como cumprir a ideia de “Lei de Deus”, de “Justiça, Amor e Caridade”, agredindo os animais e os ecossistemas?

Que tipo de Justiça aprisiona um ser inocente, contra a sua vontade, tira-lhe o direito de conviver com os seus, explora e encurta substancialmente o tempo de sua vida, condenando-o apenas por ter nascido em uma outra espécie, a fim de que alguém se deleite por alguns minutos numa refeição ou entretenimento?

Que tipo de Caridade faz discriminação de espécies, limitando a extensão dos seus braços e recursos somente àqueles considerados racionais, humanos?

Onde o Amor nesta lógica antropocêntrica e especista?

Ao discorrer sobre a conduta do espírita, André Luiz frisou que deve “Abster-se de perseguir e aprisionar, maltratar ou sacrificar animais domésticos ou selvagens, aves e peixes, a título de recreação, em excursões periódicas aos campos, lagos e rios, ou em competições obstinadas e sanguinolentas do desportismo. Há divertimentos que são verdadeiros delitos sob disfarce.” [9]

Casimiro Cunha, com a sua conhecida veia poética, declamou que “Na casa da Natureza, o Pai espalhou com arte as bênçãos de luz da vida, que brilham em toda a parte. Essas bênçãos generosas, tão ricas, tão naturais, são notas de amor divino na esfera dos animais. Não te esqueças: no caminho, praticando o bem que adores, busca ver em todos eles os nossos irmãos menores.” [10]

Outros autores espíritas enfatizaram que o abate de animais e o seu consumo prejuda a nossa saúde física e espiritual, assim como da Terra. Se os centros espíritas se esforçam para auxiliar na saúde humana, por que não recomendar como parte do tratamento o vegetarianismo?

São muitos os textos espíritas que suplicam uma ética espírita inclusiva dos animais e ecossistemas.

Desse modo, consideramos que o espiritismo requer dos seus adeptos o bom combate contra o especismo, de modo a contribuir na superação deste sistema social cruel e inserir o espiritismo no debate pela inclusão dos animais e ecossistemas nas considerações morais humanas e reconhecimento de direitos.

Vale lembrar Joanna de Ângelis, quando disse que “os amigos dos animais levantam-se para profligar contra o abuso e a impiedade com que muitos os tratam” e que “os destruidores da fauna e os devastadores da flora perderam a direção da vida”. [11]

Portanto, como é importante nomear para conhecer, estamos chamando a atenção dos espíritas para um ponto pouco observado, por meio do conceito de ÉTICA ANIMAL ESPÍRITA.

Aqui, vale rememorar mais uma vez Joanna de Ângelis quando discorreu sobre o cumprimento do Maior Mandamento, meta do cristão: “ama pelo caminho, quanto possas, plantas, animais, homens, e te descobrirás superiormente amando a Deus”. [12]

Como amar a Deus sem amar as suas criaturas?

Antes de delinear o conceito, vale uma breve digressão sobre “Ética”, “Ética Espírita”, “Ética Animal” e “Ética Ambiental”.

A “Ética”, na filosofia, pode ser entendida como o estudo do conjunto de valores morais de um grupo ou indivíduo, uma reflexão crítica sobre como devemos agir e por quê.

A “Ética Espírita” pode ser entendida como a reflexão sobre os valores morais e espirituais do espiritismo, sobre nossas ações e suas consequências em termos individuais e coletivos, um agir em conformidade com as “Leis de Deus”. Noções como “o homem de bem” e as “leis morais”, sobretudo a “lei de justiça, amor e caridade” apontam a moral espírita como a regra de bem proceder.

A “Ética Animal” se consolida na filosofia a partir da década de 1970, e significa considerar o animal não-humano como legítimo sujeito da ética e defender a sua inclusão nas considerações morais. Ética animal é, portanto, o campo que trata de como e por quê devemos levar em conta os animais não-humanos nas nossas decisões morais.

Por fim, a “Ética Ambiental” trata do relacionamento do homem com o mundo natural, considerando que a conservação da vida humana está intrinsecamente ligada à conservação da vida das demais espécies, em oposição ao antropocentrismo. Por esse conceito, a racionalidade não é sinal de superioridade. O humano deixa de ser “dono” da natureza para voltar a ser parte da natureza, que detém valor intrínseco, próprio, e não meramente instrumental.

Assim, consideramos a ÉTICA ANIMAL ESPÍRITA como “o campo que analisa a necessidade de incluir no esforço evolutivo não somente o bem dos seres humanos, mas também dos não-humanos, em suma, de toda a Natureza. Por conseguinte, aborda como e por que devemos enquanto indivíduo e sociedade superar o antropocentrismo e o especismo no trato com os animais, além de inserir na educação de espíritas (e outras pessoas interessadas) elementos que facilitem mudanças de hábitos pessoais e engajamento político para a construção de uma sociedade mais fraterna e justa para pessoas, animais e meio ambiente”.

Fato é que o momento é grave, de emergência climática, que tem no seu cerne a objetificação dos animais e da Natureza. Aos espíritas, cabe se enfileirar na transformação social por uma sociedade que se reconheça multiespécie, justa e fraterna com todas as formas de vida.

Como disse Chico Xavier: “se continuarmos agredindo-a (Natureza) demasiadamente, o preço será pago por nós próprios, porque depois voltaremos em novas gerações, plantando árvores, acalentando sementes, modificando o curso dos rios, despoluindo as águas, drenando os pântanos e criando filtros que nos libertem da poluição. O problema será sempre do homem. Teremos que REFAZER TUDO, porque estamos agindo contra nós mesmos”. [12]

Sigamos…

Referências:

[1] Se refere ao Cântico das Criaturas que Francisco de Assis compôs enfraquecido pelas enfermidades, quase cego, numa cabana de palha na Capelinha de S. Damião, que pode ser lido aqui: https://franciscanos.org.br/…/simbo…/o-cantico-das-criaturas

[2] VIEIRA, W. ANDRÉ LUIZ (Espírito). Conduta espírita. 32 ed. 7 imp. Brasília: FEB, 2017. 118 p. Capítulo 33 “Perante os animais”, pp. 89-90.

[4] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. 359 p. Livro Terceiro “Das Leis Morais”, capítulo XI “Lei de Justiça, Amor e Caridade”.

[5] Evangelho de Mateus 22:34-40. Novo Testamento.

[6] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). O Consolador. 29 ed. 5 imp. Brasília: FEB, 2017. 305 p. Capítulo 2 “Filosofia”, item 2.1. “Vida”, subitem 2.1.1. “Aprendizado”, questão 129, pp. 90-91.

[7] XAVIER, F. C.; EMMANUEL (Espírito). Alma e luz. Capítulo “O maior mandamento”.

FRANCO, D. P.; JOANNA DE ÂNGELIS (Espírito). Garimpo de amor. 6 ed. Salvador: LEAL, 2015. 200 p. Capítulo 13 “Amor e progresso”, pp. 88-89.

[8] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72 ed. São Paulo: LAKE, 2014. 359 p. Livro Terceiro “Das Leis Morais”, capítulo XI “Lei de Justiça, Amor e Caridade”, item III “Caridade e Amor ao Próximo”, questão 888-a, por São Vicente de Paulo, pp. 295-296.

[9] VIEIRA, W. ANDRÉ LUIZ (Espírito). Conduta espírita. 32 ed. 7 imp. Brasília: FEB, 2017. 118 p. Capítulo 33 “Perante os animais”, pp. 89-90.

[10] XAVIER, F. C.; CASIMIRO CUNHA (Espírito). Cartilha da Natureza: A Criação. Rio de Janeiro: FEB, 2008. 96 p. Capítulo “Os animais”, pp. 25.

[11] FRANCO, D. P.; JOANNA DE ÂNGELIS (Espírito). Leis Morais da Vida. 15 ed. Salvador: LEAL, 2014. 224 p. 2a parte, cap. 1 “Amar a Deus”, pp. 18.

[12] LEMOS, G.; Mandato de Amor. UEM, 1992. Cap. 14 “Entrevista (Chico Xavier) ao jornal Estado de Minas, pp. 431.

1 responder
  1. Sandra
    Sandra says:

    Não, não temos mas deveriamos ter uma ética animal e ambiental espírita já que somos “unha e carne” com os reinos da natureza, interligados porque descendentes diretos deles. Deveria ser absolutamente natural para os espíritas cristãos essa característica de Francisco de sentir o que os animais sofrem e de se conectar tão belamente com o Sol, as Flores, a Lua e as Estrelas, não apenas denominando-os “irmãos ” mas considerando-os de verdade como tais. Falta aos espiritas, em geral, essa faculdade simples e pura de se comover com animais que sofrem, essa empatia de se colocar no lugar do outro e de chorar com ele, enquanto tudo se faz para salva-lo. Isso porque são especistas, enaltecendo valores humanos mas desprezado os das outras espécies, incapazes do amor singelo e fraterno de Francisco por todas elas, as criaturas de Deus. Faltam-lhes os olhos para ver e os ouvidos para ouvir estes irmãos menores, pelos quais deveriam se responsabilizar e proteger como pais dedicados protegem seus bebês, pequeninos e carentes, pelos quais dariam a própria vida para que não morressem.

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