Artigo #07: O Espiritismo e o consumo de animais

Por Nathalie Ganda, membro do MOVE.

Quando crianças somos educados ouvindo fábulas com animais. Fazemos visitas ao zoológico para que possamos ver de perto espécies diferentes. Alguns crescem com a companhia de cães e gatos, passarinhos ou peixes. Os filmes infantis, em sua maioria, têm um bichinho como personagem, sem falar dos desenhos animados que dão voz a porcas, ratos, patos, coelhos, pica-pau, vaca e frango, jacaré e tantos outros. Em paralelo, crescemos consumindo hamburguer de bovino, nuggets de frango, peixe assado, ovo de galinha e leite de vaca. Percebemos a existência dos animais, mas somos educados para os tratar como algo que vive para nos servir, seja de comida, seja de entretenimento, de vestimenta, de transporte, de cobaia, de fonte de dinheiro, de companhia.

No meio espírita não é diferente. Pouco (muito pouco) se fala dos animais nas palestras, nos eventos, nos corredores das casas espíritas. Ouvimos fábulas nas belas exposições sobre a moral cristã e continuamos a tratar os animais como seres criados para nos servir. Olhamos a figura de Jesus sem perceber as primeiras companhias que ele teve ao encarnar na Terra e a conduta ética do Mestre Nazareno em relação aos animais. A maioria percebe que algo anima o corpo dos animais, mas não quer aceitar que eles também possuem um espírito que caminha na trilha da evolução e que, como
nós, precisa de misericórdia e proteção.

Certo é, contudo, que a literatura espírita possui vasto repertório sobre o assunto, que se revela para quem se debruça com vontade sincera de perceber a necessidade de desenvolvimento moral do qual todos nós necessitamos.

Atualmente, as mudanças climáticas, os escândalos de corrupção envolvendo os exploradores de produtos de origem animal (especialmente no Brasil), o interesse da juventude na questão e o fácil acesso às informações sobre a origem dos produtos de origem animal têm impulsionado o debate social, trazendo novos elementos à luz da razão.

Tais fatos merecem atenção do movimento espírita, pois, como consignou o codificador dos ensinamentos dos Espíritos “os Espíritos superiores procedem em suas revelações com extrema sabedoria. Não abordam as grandes questões da Doutrina senão gradualmente, à medida que a inteligência está apta a compreender verdades de ordem mais elevada e quando as circunstâncias são propícias à emissão de uma ideia nova” (Introdução do O Evangelho Segundo o Espiritismo, item II). 

Ademais, conforme preconiza a doutrina espírita, estamos passando por um período de transformação planetária, em que a Terra deixa de ser um orbe de provas e expiações para se transformar em um educandário baseado na regeneração, em que a energia do Amor se fará mais presente.

Precisamos entender que somos agentes de transformação social. Estamos encarnados nesse planeta para colaborar com a construção de um reino de Amor e de Paz, que nos foi anunciado por vários espíritos de luz que passaram pela Terra e, principalmente, por Jesus de Nazaré, o Cristo. Se não fizermos a nossa parte, transformando os nossos sentimentos, as nossas atitudes, os nossos relacionamentos, o nosso padrão vibratório, não estaremos em harmonia com a energia que rege a evolução dos mundos. E desarmonia causa sofrimento. 

Quando percebemos a existência de um vício, seja ele físico ou moral, precisamos agir ativamente para a nossa própria melhora. E essa ação deve ser sincera, de dentro para fora, em consequência de nossa lapidação que somente ocorre com o exercício da liberdade, sem imposição externa. Daí porque a doutrina espírita não impõe a abstenção quanto à ingestão de vísceras de animais ou qualquer outra atitude que cause sofrimento alheio. Mas, por sua vez, o Espiritismo ensina que todos somos regidos por uma lei inafastável de ação e reação, de consequências dos nossos atos, com base no livre arbítrio. Cria a ideia de responsabilidade. Quando temos acesso ao conhecimento, temos que aplicar a lição de Jesus: “A quem muito foi dado, muito será pedido” (Lucas, 12:48).  

Com base na nossa autorresponsabilidade, podemos refletir sobre os dizeres de Jesus de que “Não é o que entra pela boca que contamina o homem, mas o que sai da boca, porque procede do coração” (Mateus, 15:11- 18). Esse trecho do Evangelho, inclusive, é muito utilizado como desculpa para a ingestão de vísceras de animais. Alega-se que seria mais importante ser caridoso do que parar de comer carne. Alguns dizem, até mesmo, que Adolf Hitler era vegetariano e que Chico Xavier comia carne. Mas vamos refletir um pouco sobre essa máxima, com foco no tratamento que dispensamos aos animais.

Aquilo que externamos é reflexo do que somos no íntimo. Não adianta culpar o que é do exterior pelas nossas “contaminações”. Alimentar-se de carne de animais não é o que entra, é o que sai. É a vontade de saborear restos mortais de um animal que nos faz colocar o bife no prato. E é a vontade de não matar que nos faz tirá-lo do prato.

A vontade vem de dentro, vem do coração. É o que acontece com quem fuma, com quem bebe, com quem se droga, com quem fere, com quem se vinga, com quem calunia, com quem corrompe. A vontade é a força transcendente em relação a todas as nossas imperfeições. E para que possamos nos transformar moralmente, principal objetivo do espiritismo, precisamos identificar o que procede do coração, o que vem de dentro, para que possamos nos modificar e, então, modificar nossa conduta externa. Só assim haverá mudança. 

A prática da compaixão e do respeito para com todas as formas de vida é um reflexo desse estudo interior e da vontade ativa de transformação. Ter a consciência que todo processo tem um início é a base estrutural na construção de uma personalidade mais amorosa, mais compassiva. Identificar nossas imperfeições e aceitá-las, não de forma passiva, mas sim ativa, aceitando que elas existem e que devem ser transfiguradas. Fazer como ensina Francisco de Assis: “onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver ofensa, que eu leve o perdão; onde houver discórdia, que eu leve a união; onde houver dúvida, que eu leve a fé; onde houver erro, que eu leve a verdade; onde houver desespero, que eu leve a esperança; onde houver tristeza, que eu leve alegria; onde houver trevas, que eu leve a luz.”. Esse exercício é interno, é mudar a polaridade dessas energias dentro de nós. Assim poderemos ser instrumentos de Paz. São Francisco, dos animais e da natureza. 

Aqui cabem alguns questionamentos, que é tarefa de cada um procurar as respostas. Será que esse processo de evolução no caminho do bem não inclui a modificação de nossos desejos relacionados à alimentação? Será que não envolve as nossas escolhas que interferem na vida dos outros seres que coabitam conosco o planeta, humanos e não humanos? Será que trocar o sangue vermelho que jorra dos animais mortos pela luz verde que sai da clorofila dos vegetais colhidos não é uma das fases desse processo de evolução? E as consequências éticas do uso de peles, de couro animal e outros subprodutos dos matadouros? Será que agimos tão diferentes que os homens primitivos nesse aspecto? Será que temos necessidade de continuar submetendo animais à tenebrosos testes em nome da ciência, quando a nossa capacidade intelectual já descobriu outras formas de experimentação? Será que temos o direito de explorar economicamente a vida dos animais, filhos do
mesmo Criador que nós? Será que temos o direito de comercializar o filho de uma cachorra, de uma gata, de uma ave? Será que temos o direito de aprisionar um ser alado em uma gaiola, em retirá-lo do seu ambiente natural? Será que temos o direito de tomar para nós um alimento que é feito por e para outras espécies de animais? Será que temos o direito de submeter homens a atividades tão violentas como a de matar animais rotineiramente e depois esperar deles uma conduta social pacífica? Reflitamos, para que possamos fazer as nossas escolhas de forma ética. Lembrando do ensinamento cristão: “Não faça a ninguém o que não queres que te façam” (Lucas, 6:31).

Alguns dizem que seria sentimentalismo se sensibilizar com a dor dos animais e que racional é encarar o sofrimento humano. Também dizem que é racional ingerir vísceras de animais, pois nossos ancestrais assim faziam. Tentam usar a razão para justificar o consumo dos animais, contudo, a razão nem sempre está em sintonia com a Verdade.

No Livro dos Espíritos, questão 75, os Espíritos nos ensinam porque nem sempre a razão é guia infalível: “Seria infalível, se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio.”.

Afastando a má educação (travestida de cultura), o orgulho (travestido na ideia de que o homem é um ser a parte na criação e, quiça, última etapa da evolução) e o egoísmo (travestido na ideia de que os animais foram criados para nos servir), será que sobra, além do instinto, algum motivo racional para que os animais continuem sendo explorados, tendo as suas vidas extirpadas pela vontade humana?

Nas palavras do bandeirante do espiritismo no Brasil, Cairbar Schutel, em “Gênese da Alma”: “o orgulho humano cavou um abismo intransponível entre o reino hominal e o reino animal. A falta de estudo, de observação, de meditação, em uma palavra, a ignorância presunçosa permitiu o destaque do homem, classificando-o como um ser à parte na Criação.”. E continua no decorrer da obra: “Onde está a justiça, a equidade, a caridade, a sabedoria do Criador, dando a vida a seres inferiores que, não obstante, irradiam inteligência, demonstram perfectibilidade, externam sentimentos afetivos; fisicamente mantêm-se como nos mantemos; suscetíveis ao amor e ao ódio, sentem, sofrem, choram, e não se lhes permite gozar o mérito do seu trabalho, as recompensas dos seus gemidos, os resultados do seu amor, a luz dos seus conhecimentos, a imortalidade da sua vida!”.     

O passado não pode ser mudado, mas ele deve ser estudado para que possamos efetivar as transformações que se fazem necessárias para a construção de um novo mundo. O que fomos ontem, o que fizemos ontem: que nos sirva de lição, não de prisão. 

Aqui cabe destaque às sublimes palavras de Miramez, grande colaborador da doutrina espírita:

“O Espírito é um pássaro de luz preso temporariamente na cruz da carne, para frouxar os laços que seguram os sentimentos. A carne é como uma câmara, onde as virtudes tendem a amadurecer, criando condições cada vez melhores no que tange à verdadeira emancipação. Entretanto, sem conhecer, não podemos avançar. O conhecimento nos favorece a certeza, que na palavra evangélica é a mesma fé, tornando-se caridade, a qual se transmuda em amor.”. E acrescenta: “Luzes e mais luzes se intercruzam no universo biológico, pedindo passagem entre os obstáculos criados pela ignorância que se desfaz no amor vertido pela mente adestrada no bem. Sê aquele que dispensa elogios e nunca exige condições. Começa a respeitar todos os reinos da natureza, que eles te abrirão o livro da sabedoria e um processo que talvez desconheças te encherá de paz e saúde, de alegria e conhecimento, no que se refere à tua própria vida.”. (Saúde. João Nunes Maia, pelo espírito de Miramez. pp. 21/22).  

Na mesma obra, no capítulo intitulado “O que comes”, Miramez afirma que os seres humanos, mesmo com o suprimento que têm em mãos, no que tange à alimentação comem erradamente. Lembrando que a chave de tudo está dentro de nós à espera do toque que a sabedoria e o amor podem dar, assevera que “o germe vegetal guarda o energismo da planta como tesouro que a natureza oferta ao Espírito em viagem na carne e este, por ignorância, esquece de aproveitá-lo, para o seu próprio bem” (p. 35). E continua: “O corpo físico obedece ao empuxo evolutivo da alma e esta requer um aparelho mais perfeito e mais sensível para o seu empenho. A alimentação grosseira já não é mais a ideal para esta geração e Espíritos de alta linhagem espiritual descem à Terra para aprimorarem a alimentação dos homens, moldando um futuro de maior alcance, onde em tudo viceja o aprimoramento, tanto da alma quanto do corpo.” (p. 36).   

O recente progresso nas pesquisas envolvendo nutrição, bem como a medicina, expõe que o consumo de alimentos de origem animal traz sérios riscos à manutenção da saúde. Não é mais necessário, não nos é útil. Será, então, que ao escolhermos colocar um bife no prato não estamos abusando do nosso direito de escolha e, por consequência, escolhendo um caminho mais árduo para a evolução espiritual? 

Mas e a tal da questão do Livro dos Espíritos entoada por alguns de que “a carne nutre a carne”?

Na questão 722 do Livro dos Espíritos encontramos que tudo aquilo com o qual o homem pode se nutrir, sem prejuízo de sua saúde, é permitido. Na questão seguinte, aquela em que consta que “a carne nutre a carne”, invocam duas leis, a de conservação e a de trabalho, concluindo que devemos nos alimentar segundo exige a nossa organização. E mais, na questão 724 afirma que a abstenção de alimento animal é meritória se for séria e útil, em benefício dos outros, completando que aquele que se priva só na aparência é hipócrita. Por fim, na questão imediata, ao serem questionados quanto ao que pensar das mutilações operadas sobre o corpo do homem e dos animais, os espíritos assim respondem: “para que semelhante questão? Perguntai, portanto, ainda mais uma vez, se uma coisa é útil. O que é inútil não pode ser agradável a Deus, e o que é nocivo lhe é sempre desagradável, porque, sabei bem, Deus não é sensível senão aos sentimentos que elevam a alma até ele. É praticando a sua lei, em vez de estar violando-a, que podereis sacudir a vossa matéria terrestre.”.

Será que tais ensinamentos não devem ser somados às tantas informações que foram trazidas pelos espíritos desde sua edição em 1857, época em que não havia nem mesmo luz elétrica (sim, a lâmpada foi criada em 1879 e o primeiro circuito de instalação elétrica veio apenas em 1882) e em que ainda havia escravidão humana, inferioridade social da mulher, pouca (ou quase nenhuma) consideração pela infância e juventude, e outros tantos direitos civis que hoje nos parecessem tão comuns e necessários ainda não eram reconhecidos? Inclusive em relação aos animais tivemos avanços, socialmente e cientificamente. Vejamos o Manifesto de Cambridge, de 2012, em que importantes neurocientistas afirmam que todos os mamíferos, aves e outras criaturas, incluindo polvos, têm consciência. Inclusive o físico Stephen Hawking estava presente no jantar de assinatura do documento como convidado de honra.  

Precisamos questionar as nossas escolhas atuais, não só alimentares. Vivemos em um mundo diferente do que o de 50 anos atrás. Quem poderia imaginar que teríamos a possibilidade de nos comunicar com uma pessoa que está do outro lado do planeta, por meio de um aparelho de telefonia celular? Quem poderia imaginar as facilidades trazidas pela internet, o acesso à informação, à educação, à troca de conhecimentos e de experiências, tudo isso que estamos tendo o privilégio de vivenciar nos dias atuais? Será que a Espiritualidade não conta com a nossa transformação para auxiliar na implantação de um novo padrão vibratório no planeta Terra?

Terra. O próprio nome já nos faz pensar na importância de respeitar a terra e tudo que nela habita. Desejar manter o mesmo modo de vida que a população tinha há 50 anos atrás, quando ainda não possuía a oportunidade de acesso fácil ao conhecimento e ao que acontece longe dos nossos olhos físicos, facilidades que temos hoje, é incorrer em um erro gravíssimo, de lamentáveis consequências individuais e coletivas. 

Queremos viver com saúde, com alegria, com respeito por nossas diferenças, que são naturais. Contudo, para tanto, precisamos aprender a viver com saúde, com alegria e com respeito às diferentes formas de vida. E isso fazemos a partir das nossas atitudes, das nossas escolhas, que nada mais são do que a exteriorização de nossos pensamentos e ideais.

Pouco adianta imaginarmos luz, quando o que demonstramos para os nossos irmãos, incluindo os animais, é trevas. Tempos novos são chegados e, como tem sido proclamado, quem estiver na mesma vibração energética desse Novo Mundo, aqui ficará. Quem não, terá as mesmas oportunidades novamente, mas na turma correta (como acontece na escola) em um dos tantos planetas que existem nessa imensidão de Vida da qual pertencemos. Agora é questão de escolha de cada um.

Para citar mais uma vez o Codificador, no Evangelho Segundo o Espiritismo, ao abordar o tema Homem de Bem, no capítulo XVII, descreve que “o homem, possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem sem esperança de recompensa, retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte, e sacrifica sempre seu interesse à Justiça”. E no item seguinte, ao se referir aos Bons Espíritas, continua a reflexão afirmando que “se veem homens de uma capacidade notória que não a compreendem [a moral do Cristo], enquanto que inteligências vulgares, de jovens mesmo, apenas saídos da adolescência, a apreendem com admirável exatidão em suas mais delicadas nuanças. Isso decorre do fato de que a parte de alguma sorte material da ciência não requer senão olhos para observar, ao passo que a parte essencial exige um certo grau de sensibilidade que se pode chamar maturidade do senso moral, maturidade independente da idade e do grau de instrução, porque é inerente ao desenvolvimento, num sentido especial, do Espírito encarnado. Em alguns, os laços da matéria são ainda muito tenazes para permitir ao Espírito libertar-se das coisas da Terra; o nevoeiro que os circunda furta-lhes a visão do infinito; por isso, eles não rompem facilmente nem com seus gostos, nem com seus hábitos, não compreendem alguma coisa melhor do que aquilo que têm.”. Reflitamos.    

Quando tomamos consciência de algo e assumimos o fiel compromisso com a mudança, as oportunidades começam a surgir. As mudanças, por certo, não acontecem repentinamente, mas elas são constantes. É um processo que demanda paciência, perseverança, perdão e, principalmente, bom ânimo. Liberdade é sinônimo de responsabilidade. Tudo é lícito existir, mas nem tudo é conveniente usar. 

A situação atual da civilização que habita a Terra apresenta oportunidades inéditas para a adoção de um novo modo de vida. A crença de que era necessário se alimentar da carne de animais para manter a saúde já foi desmentida pela ciência, corroborando a escolha de antigas personalidades como Hipócrates, fundador da medicina moderna, Platão, Pitágoras, Gandhi, Leonardo Da Vinci, Liev Tosltói, Victor Hugo, entre outros grandes nomes que ajudaram na transformação da sociedade de seu tempo. Outros usos comuns de produtos de origem animal também estão obsoletos com o advento da tecnologia, como aconteceu um dia ao deixar de ser necessário o uso de animais para o transporte.  

A razão, luz que Allan Kardec recomendou ser usada, já não permite afirmar que “a carne nutre a carne”. Atualmente sabemos onde encontrar os nutrientes necessários para a manutenção de nossa vida orgânica e não precisamos mais nos alimentar da carne do animal. Encarnados, precisamos de nutrientes específicos que também são encontrados no reino vegetal. Sabemos, ademais, como armazenar e conservar as diversas variedades vegetais que estão ao nosso dispor. Temos hoje instrumentos de altíssimo potencial para efetuar pesquisas quanto aos nutrientes presentes em todo o reino vegetal e também quanto aos efeitos que cada alimento causa em nosso organismo.

A ingestão de carne de animais tornou-se uma escolha, um prazer, um excesso. E o Espiritismo não aprova o excesso – a partir do momento em que tomamos conhecimento de que não necessitamos de algo, a realidade muda. E não adianta tentar fundamentar uma escolha em situação alheia à nossa – não é o povo primitivo de determinado continente, tampouco o comportamento de um animal ou até mesmo de outra pessoa, ou uma situação hipotética de difícil (quiçá impossível) ocorrência – é a nossa realidade que determina as nossas escolhas.

Somado a tudo que foi exposto, o aspecto moral de bondade, amor e caridade em todas as relações permite-nos refletir sobre a nossa responsabilidade na interrupção da matança que hoje é infligida a determinados animais, que são vistos como objetos de exploração por alguns seres humanos, ainda arraigados na ideia de domínio e de exploração da vida alheia (como já foi em relação aos estrangeiros, aos hebreus, aos povos originários, aos negros, às mulheres, às crianças, e ainda o é quanto aos animais). Chama-se um cachorro de melhor amigo do homem, mas, ao mesmo tempo, ceifa-se a vida de outros animais para o deleite do paladar. Acaricia-se um gato, mas não se tem a mesma compaixão com o animal que se calça aos pés.

Oportuna a observação trazida por um dos expoentes do Espiritismo, o italiano Ernesto Bozzano, na obra intitulada “A Alma nos Animais”:

“Homens de ciência que declaram convicções materialistas sustentam frequentemente que o espirito dos animais, como o dos homens, por ser uma simples função do órgão cerebral, deixa de existir quando o órgão em questão deixa de funcionar após a morte. Não há nada de incoerente nessa tese, segundo a qual o destino dos animais é igual ao do homem; mas a incoerência se revela, em contrapartida, naqueles que acreditam na existência da alma humana – tanto os adeptos de diferentes confissões religiosas quanto aos adeptos das doutrinas espiritualistas – e que pressupõem que o espírito dos animais é tão imperfeitamente estruturado que não sobrevive à morte do corpo e que, por consequência, se desfaz nos seus elementos constitutivos, diluindo-se praticamente no nada, exatamente como postulam aqueles homens de ciência. Lembrei inicialmente que professar estas teorias é bastante perigosa para a doutrina da sobrevivência da alma humana, visto que elas nos levam a assumir que uma simples diferença gradativa na evolução do espírito é suficiente para determinar o seu destino, por vezes efêmero sem qualquer culpa, outras vezes imortal sem o menor mérito. Assim sendo, o que pensar do destino de uma grande parcela do gênero humano?”. (p. 202 da ed. Golden Books, 2007).

Na mesma obra, Ernesto Bozzano, após expor diversos casos envolvendo experiências espirituais com animais, conclui que “as formas animais da existência terrestre, assim como as variações da raça humana, só podem ser consideradas como formas transitórias pelas quais todos os seres vivos terão de passar; sem o que a vida no Universo não se explicaria e seria sem finalidade, assim como não existiria nenhuma justiça no mundo. Reitero este ponto: a escala infinita dos seres vivos só pode ser a expressão das manifestações da alma nas suas etapas progressivas de evolução espiritual.”.

No mesmo sentido, Cairbar Schutel na já citada obra “Gênese da Alma”: “Deus nada cria inutilmente; tudo tem um fim providencial. Tudo progride, tudo evolui no Universo. (…) A existência da alma nos animais é, pois, um fato evidente, racional, como a existência da alma humana.” (p. 85, ed. O Clarim, 7 ed., 2011).     

Façamos essa reflexão, com a cautela do auto perdão e da gratidão por poder reconhecer o caminho do bem, pois, apenas assim, poderemos afirmar que utilizamos bem o livre arbítrio e que evoluímos espiritualmente. Não ter vergonha (que nasce da nossa falta de humildade) de reconhecer que incidimos em erros. Fazemos escolhas precipitadas, falamos o que não devíamos, emitimos parecer sobre os outros sem ter conhecimento, incidimos em pensamentos mesquinhos e atitudes pouco caridosas. Sim, estamos em constante evolução, ainda temos muito a aprender e a melhorar. O que importa é manter a luz do Amor acessa, sempre a iluminar os nossos pensamentos, as nossas atitudes, as nossas escolhas. 

O grande colaborador Espírito Lucius, através de André Luiz Ruiz, no romance “Despedindo-se da Terra”, em que aborda a temática do nosso comportamento nesta encarnação atual, que será determinante para a nossa permanência neste mundo ou, se pelos desatinos repetidos desta e de outras vidas, o exílio para um mundo mais inferior, convida-nos à reflexão:

“O prazer, em todas as áreas da vida, estimula, satisfaz e, nas áreas mais frágeis da personalidade, abre espaços a excessos que causam dependências e tolerâncias, como uma droga qualquer. Quando o ser humano entende a sua condição de Espírito que deve comandar a matéria, ele consegue dominar os impulsos que se apresentem e que poderiam, pelo abuso, tornarem-se nocivos. Mais ainda, a consequência lúcida da pessoa é capaz de escolher, graças ao grau específico de maturidade espiritual, o melhor caminho para viver sua vida de acordo com seus projetos. No entanto, no mundo acelerado em que todos estão se permitindo viver, as contingências emocionais têm sido objeto de exploração intensa, graças ao interesse econômico de manter as almas atreladas aos vícios que, uma vez implantados no modo de ser, favorecem aqueles que os exploram e estimulam em busca dos lucros financeiros que tanto ambicionam. Por isso é que será sempre um bom negócio facilitar e tirar partido da viciação no consumismo, no uso de drogas tidas como socialmente aceitáveis, das outras drogas, do jogo, da prostituição, da gula. Em face desse comportamento afrouxado, as pessoas sem vontade própria continuarão sempre a se manter dependentes daqueles que as exploram, fornecendo-lhes, em troca, o dinheiro e respectivo poder que tanto apreciam.”. (pp. 204/205, Ed. IDE, 2007).  

Para finalizar, façamos um exercício de raciocínio sobre o que entendemos como “justo”. Certamente até o dia 13 de maio de 1888, dia da promulgação da Lei Áurea no Brasil Império, era “justo” a exploração dos negros, os quais eram considerados como “desprovidos de alma”, inclusive (e as consequências desse egoísmo ainda ressoam nos dias atuais).

Na mesma toada era o tratamento dispensado à mulher, que, conforme previa o Código Civil de 1916 (que perdurou até 2002), ao casar, perdia sua plena capacidade, tornando-se relativamente capaz (e incapaz, a contrário senso), sendo certo que para trabalhar precisava da autorização do marido. Tal cenário começou a perder a aparência de “justo” apenas em 1962, com o advento do Estatuto da Mulher, mas diversas diferenças de tratamento ditas como “justas” permaneceram até 1988, ano em que nasceu a nossa Constituição da República, a partir da qual puderam ser criados mecanismos mais eficazes na proteção da mulher na sociedade.

E com os animais, será que o tratamento que a sociedade atual dispensa é “justo”? Será que possuímos o direito de matar, seja uma vaca, um porco, um cachorro, uma galinha, uma baleia, uma abelha? Citando Victor Hugo: “primeiro foi necessário civilizar o homem em relação ao próprio homem. Agora é necessário civilizar o homem em relação à natureza e aos animais”. 

Conforme consta do Prefácio de Céu e Inferno, a Justiça Divina segundo o Espiritismo, de Allan Kardec: “Os Espíritos que presidem ao grande movimento regenerador agem, portanto, com mais sabedoria e previdência do que os homens podem fazer, porque eles contemplam a marcha geral dos acontecimentos, ao passo que nós vemos apenas o círculo limitado de nosso horizonte. Tendo chegado os tempos da renovação, segundo os decretos divinos, era preciso que em meio às ruínas do velho edifício, o homem, para não esmorecer, entrevisse as fundações da nova ordem de coisas; era preciso que o marinheiro pudesse distinguir a estrela polar que deve guiá-lo ao porto.”. 

Reflitamos, nesse aspecto, quanto ao disposto no Livro dos Espíritos, no capítulo XI, Lei de Justiça, de Amor e de Caridade: 

“873. O sentimento da justiça está na Natureza, ou é resultado de ideias adquiridas? R: Está de tal modo na Natureza, que vos revoltais à simples ideia de uma injustiça. É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, frequentemente, em homens simples e incultos se vos deparam noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber.”.

874. Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto? R: É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso.”.

875. Como se pode definir a justiça? R: A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.”.

Quando consumimos animais, será que estamos respeitando os direitos naturais deles? 

Que a Luz do Amor do Cristo possa nos iluminar, para que possamos juntos construir um mundo de regeneração, em que a COMPAIXÃO e a ÉTICA sejam nossas normas de conduta, pautada na célebre instrução do Mestre Jesus: “Amai-vos uns aos outros” (João, 13:34).

4 respostas
  1. José Ricardo Andrade
    José Ricardo Andrade says:

    Bravo! A Doutrina que deveria ser filosofia, tem mesmo inumeras falhas possivelmente por causa das lamparina, mas hoje estamos na era da LED e do 5 G, já podemos avançar naquilo que nos foi dado. Mas não daremos saltos, fomos condicionados… Mas a semente está aí! SALVE os nossos animais e vossas almas sejam respeitadas, a carne não alimenta carne!

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  2. Severino de Andrade Clementino
    Severino de Andrade Clementino says:

    Sou espírita e sou vegano, que maravilha de publicação, vou divulgar o máximo que puder principalmente entre os espíritas.

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  3. Elza
    Elza says:

    Sempre pensei que os espíritas deveriam ser veganos, pois acreditamos na reencarnação, e que todos os seres vivos têm alma, como não respeitar nossos irmãos animais se todos viemos do mesmo pai. Adorei o esclarecimento que tive com essa leitura. Espero cada vez evoluir mais e que a humanidade também evolua.

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  4. Rodrigo Foresto
    Rodrigo Foresto says:

    Um dos melhores artigos que já li, com argumentos ricos e muito bem organizados.
    Pode ser usado para conscientizar pessoas adventas do espiritismo e inclusive pessoas envolvas em outras correntes filosóficas, visto que os valores éticos destacados pela Nathalie são o objetivo de todos cidadãos de bom coração.

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